terça-feira, 11 de dezembro de 2007

"O silêncio Administrativo"

Antônio Francisco Neto
Estudante de Direito da UNEB

1 INTRODUÇÃO


Propusemo-nos neste estudo, a analisar a questão do silêncio administrativo, hoje tão comum ao administrado que, ao exercitar o seu direito de petição previsto na Constituição, vê-se diante da situação de inércia da Administração Pública que, contrária ao seu dever comissivo, mantém-se omissa frente à demanda que lhe foi dirigida.

O nosso foco aqui é saber o que é silêncio administrativo; se podemos classificá-lo como um ato ou um fato administrativo; se podemos considerá-lo como ato administrativo tácito; quais conseqüências jurídicas dele poderiam decorrer; e se é um comportamento lícito.

Não estaremos analisando toda e qualquer omissão administrativa. Mas aquela quando a Administração deixa de se manifestar sobre uma postulação produzida por um particular.

Para que possamos ter uma melhor compreensão, faz-se necessário o exame de outros elementos que informam o exercício da função administrativa: o dever de decidir; o dever de motivar essas mesmas decisões; a diferenciação entre ato e fato administrativo; até passarmos, então, a analisar o fenômeno do silêncio propriamente dito.

Finalmente, de forma simplificada, nos posicionaremos sobre esse tema que, ao nosso ver, é o principal sintoma da negligência administrativa no cumprimento de um dos principais deveres legais da Administração Pública.

2 PODER-DEVER DE AGIR

No âmbito do direito privado, quando um poder jurídico é conferido a alguém, este tem a faculdade de exercitá-lo, configurando-se numa regra geral. Fundamenta-se na circunstância de que, o exercício ou não do poder, acarreta reflexos jurídicos ao próprio titular.

Já na esfera do direito público, ao agente investido no cargo, emprego ou função pública, são outorgados poderes administrativos para lhes permitir atuação voltada aos interesses da coletividade, deles emanando, conforme destaca José dos Santos Carvalho Filho120, “duas ordens de conseqüência: (Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2007, pág. 38.)

1) São eles irrenunciáveis; e
2) Devem ser obrigatoriamente exercidos pelos titulares.

Desse modo, as prerrogativas públicas, ao mesmo tempo em que constituem poderes para o administrador público, impõe-lhe o seu exercício e lhe vedam a inércia, porque o reflexo desta atinge, em última instância, a coletividade, esta a real destinatária de tais poderes”

Portanto, a esse dúplice aspecto do poder administrativo, reconhecido pacificamente pela jurisprudência e pela doutrina, é que se denomina de poder-dever de agir. E aqui a clássica conclusão de Hely Lopes Meirelles: “Se para o particular o poder de agir é uma faculdade, para o administrador público é uma obrigação de atuar, desde que se apresente o ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade” 120. (Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Editora Malheiros, 2007, pág. 105.)

Daí porque a inércia da autoridade ou o silêncio da Administração, na medida em que lhe incumbe a lei conduta comissiva, configura-se como ilegal. Reveste-se, pois, em situação de ilegitimidade, gera responsabilidade para o agente omisso e autoriza a obtenção do ato omitido, quer na via administrativa (direito de petição) ou judicial, notadamente por mandado de segurança, se lesivo de direito líquido e certo do interessado.

Salientamos que nem toda omissão administrativa é qualificada como ilegal. Temos o caso das omissões genéricas, às quais ao administrador cabe avaliar a oportunidade para a adoção das providências positivas, incidindo, aqui, o que a moderna doutrina denomina de reserva do possível.

Ilegais, assim, serão as omissões específicas. Aquelas que ocorrem mesmo que a lei expressamente imponha o fazer administrativo em prazo determinado, ou ainda, mesmo sem prazo previsto, permanece a Administração omissa por período superior ao aceitável dentro dos padrões normais de tolerância e razoabilidade, e que é o foco do nosso estudo.

3 O PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

Diante da importância do princípio da motivação na análise do silêncio administrativo, passaremos a um breve estudo deste princípio, o que vem a mais reforçar a idéia da impossibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a essa omissão administrativa.

Pelo princípio da motivação, entende-se o dever da Administração Pública de justificar seus atos, ou seja, explicar, explicitar ou expor as razões que levaram à prática do ato, apresentando os fundamentos, de fato e de direito, que embasaram o ato administrativo.

A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer os princípios vetores da função administrativa, em seu art. 37, não faz, expressamente, qualquer referência ao princípio da motivação. Mas o faz no seu próprio art. 93, X, “as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros;”.

Dentro da atual ordem constitucional, os juristas ainda têm buscado, numa interpretação sistemática do texto constitucional, a motivação como princípio constitucional implícito. Nesse sentido, faz-se a exigência da motivação dos atos administrativos por fundamentar-se tanto no Estado Democrático de Direito, como nos ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro119:

É inerente ao conceito de Estado Democrático de Direito a idéia de participação do cidadão na gestão e no controle da Administração Pública, no processo político, econômico, social e cultural; esta idéia está incorporada na Constituição não só pela introdução da fórmula do Estado Democrático de Direito – permitindo falar em democracia participativa – como também pela previsão de vários instrumentos de participação, podendo-se mencionar, exemplificativamente, o direito à informação (art. 5º, XXX),(...); (Direito Administrativo. São Paulo: Editora Atlas, 2006, pág. 50).;

Nesse aspecto, podemos fazer a conclusão de que o princípio da motivação é conseqüência dele, pois, se o povo é o detentor do poder, nada mais óbvio do que exigir dos seus representantes os motivos das decisões tomadas.

E, ainda, no princípio da razoabilidade, citando a mesma doutrinadora120:

Segundo Gordillo (1977:183-184), “a decisão discricionária do funcionário será ilegítima, apesar de não transgredir nenhuma norma concreta e expressa, se é ‘irrazoável’, o que pode ocorrer, principalmente, quando:

a) não dê fundamentos de fato ou de direito que a sustentam ou;
b) (...) (Direito Administrativo. São Paulo: Editora Atlas, 2006, pág. 50).;

bem como no princípio da legalidade, sustentada por Celso Antonio Bandeira de Melo120, que:

Deve-se considerar, também, como postulado pelo princípio da legalidade o princípio da motivação, isto é, o que impõe à Administração Pública o dever de expor as razões de direito e de fato pelas quais tomou providência adotada. Cumpre-lhe fundamentar o ato que haja praticado, justificando as razões que lhe serviram de apoio para expedi-lo.
Donde a ausência de motivação faz o ato inválido, sempre que sua enunciação prévia ou contemporânea à emissão do ato, seja requisito de indispensável para proceder-se a tal averiguação; (Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Editora Malheiros, 1995, pág. 28.)

Ainda, Hely Lopes Meirelles120, citando os ensinamentos de Rafael Bielsa:

Nesse sentido é a lição dos modernos publicistas, a começar por Bielsa, neste passo: “Por princípio, as decisões administrativas devem ser motivadas formalmente, vale dizer que a parte dispositiva deve vir precedida de uma explicação ou exposição dos fundamentos de fato (motivos-pressupostos) e de direito (motivos-determinantes da lei)”. E, rematando, o mesmo jurista reafirma: “No Direito Administrativo a motivação – como dissemos – deverá constituir norma, não só por razões de boa administração, como porque toda autoridade ou Poder em um sistema de governo representativo deve explicar legalmente, ou juridicamente, suas decisões”. (Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Editora Malheiros, 2007, pág. 100.)

Mas, contrariamente aos posicionamentos acima, apesar de reconhecer a necessidade do administrador expressar-se, José dos Santos Carvalho Filho, assinala:

Sem dúvida nenhuma, é preciso reconhecer que o administrador, sempre que possa, deve mesmo expressar as situações de fato que impeliram a emissão da vontade, e a razão não é difícil de conceber: quanto mais transparente o ato da Administração, maiores as possibilidades de seu controle pelos administrados. Não obstante, se essa conduta é aconselhável, e se os administradores devem segui-la, não se pode ir ao extremo de tê-la por obrigatória120. (Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2007, pág. 107.)

Com a Constituição de 1988 consagrando o princípio da moralidade, que é o composto de regras de boa administração no exercício da função administrativa, ampliando o acesso ao Judiciário e exigindo, deste, decisões motivadas, conforme art. acima mencionado, a regra geral é a obrigatoriedade da motivação, ficando demonstrada a atuação ética do administrador, através da exposição dos motivos do ato, e garantir o próprio acesso ao Judiciário.

Além disso, a Lei 9.784/99, no seu artigo 50 e incisos, de forma detalhada, reforça essa exigência estabelecendo que os “os atos administrativos deverão ser motivados, com a indicação dos fatos e fundamentos”.

Portanto, entendemos que com a exposição em diversos princípios e dispositivos insertos na Constituição, especificamente nos artigos 1º “caput”, inciso II e parágrafo único, 5º XXXV e LIV, e 93 X, bem como a edição da Lei 9.784/99, acabando esta por positivar o entendimento doutrinário sobre a questão, não se faz mais sentido negar a necessidade da motivação nos atos administrativos.


4 O silêncio administrativo

Para que possamos melhor compreender o que aqui se pretende, inicialmente conceituaremos, sem separar e classificar os seus aspectos jurídicos, o que seja ato administrativo, na concepção doutrinária de José dos Santos Carvalho Filho, ou seja: “a exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que, sob o regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público”.

Segundo Celso Antonio Bandeira de Melo, é “declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público) no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”.

Conceituado o ato administrativo, fica evidente a impossibilidade de classificarmos o silêncio administrativo como tal, visto não corresponder a uma declaração de vontade. Configura-se mais numa falta de manifestação de vontade a que estava obrigada a Administração perante uma certa provocação.

Observe-se o que anota Hely Lopes Meirelles: “O silêncio não é ato administrativo; é conduta omissiva da administração...” (Direito Administrativo Brasileiro, pág. 114 – 2007).

Celso Antonio Bandeira de Mello, na mesma linha, entende que “Na verdade, o silêncio não é ato jurídico. Por isto, evidentemente, não pode ser ato administrativo. Este é uma declaração jurídica.” (Curso de Direito Administrativo. Pág. 217, 1995).

Se o silêncio administrativo poderia ser considerado uma manifestação tácita da vontade administrativa, não podemos assim imaginar, pois não se caracteriza como um ato típico da função administrativa, inclusive pelo modelo constitucional adotado e pela positivação da obrigação da administração em decidir as postulações dos administrados, conforme o art. 48 da Lei 9.784/99.

Não podemos considerar o silêncio administrativo como ato administrativo por faltar-lhe a motivação, requisito essencial. E sim, como mero fato administrativo, produzindo conseqüências jurídicas na esfera do direito administrativo, como os efeitos negativos e positivos.

Na primeira hipótese, a possibilidade do administrado recorrer à esfera judicial para ver seu pleito atendido. Na segunda, justifica-se a imputação para salvaguardar o interesse do particular que não poderia ser prejudicado pela ineficiência da Administração Pública, desde que não atinja interesses de terceiros.

5 Considerações finais

O trabalho aqui desenvolvido teve como principal objetivo destacar a impossibilidade de ser atribuído ao silêncio administrativo, de forma geral, efeitos jurídicos a um comportamento que descumpre as obrigações legais, ressalvados os casos envolvendo o interesse individual e desde que não afete a coletividade nem outro interesse individual, ficando evidente que se trata mesmo da ineficiência da máquina administrativa pública.

Assim, de forma resumida, chegamos a conclusão sobre os seguintes aspectos:

a) o silêncio administrativo não é um ato administrativo. Tem natureza jurídica de fato administrativo;
b) que, na condição de fato administrativo, ao silêncio administrativo são atribuídos efeitos jurídicos denegatórios e concessórios;
c) o princípio da motivação dos atos administrativos é fator de limitação da lei atribuir indiscriminadamente efeitos jurídicos ao silêncio administrativo, mesmo que seja para reparar ou minimizar as conseqüências da ineficiência da Administração.
d) exercendo a administração poderes que lhe são conferidos para concretizar os interesses públicos, tem por obrigação de decidir motivadamente as demandas dos particulares;