segunda-feira, 3 de março de 2008

A Súmula 343 do STJ e o Processo Administrativo Disciplinar na Lei 8.112/90.

Arabella Lino Rosa- Estudante de Direito da UNEB

RESUMO

Reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça deram origem à Súmula de nº343. Formada à margem da Lei 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, ela traz em seu enunciado a obrigatoriedade de advogado no processo administrativo disciplinar. O âmbito de atuação da recente Súmula, as conseqüências dela advindas e a incompatibilidade em relação à Lei citada serão substratos sobre os quais repousarão os argumentos para se tentar demonstrar a inconveniência de sua redação.

DO ÂMBITO DE ATUAÇÃO DA SÚMULA 343

O Título V da Lei 8.112/90 faz alusão ao “Processo Administrativo Disciplinar” e, no dispor dos artigos que o compõem, trata tanto da sindicância quanto do processo administrativo disciplinar propriamente dito (PAD). Devido a essa disposição, pode-se compreender o processo administrativo disciplinar em dos sentidos: o amplo (a que se refere o Título V) e o estrito, que engloba apenas o processo disciplinar (art. 148 ao 182), com exceção da sindicância (art. 143 ao 146). Resta, então, estabelecer qual o sentido a que se refere a Súmula pois, a depender dele, deve-se exigir ou não a presença de advogado também na sindicância. Depreende-se a partir da já citada Lei que a sindicância não é mero procedimento de instrução, uma vez que dela podem resultar sanções, ainda que leves, como a advertência e a suspensão por até 30 dias. Pode ser considerada, portanto, como um instrumento de apuração e instrução de faltas mais brandas, motivo pelo que se entende que também aqui devem ser respeitados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, que têm incidência imprescindível na esfera administrativa. Nesse sentido, dispõe o próprio STJ: “o processo de sindicância, desde que utilizado como meio único para apuração e aplicação de penalidades disciplinares, deve, obrigatoriamente, observar os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Não se pode conceber em pleno Estado Democrático de Direito, como suficiente para ensejar a imposição de qualquer penalidade (mesmo que a mais branda) - em face das garantias constitucionais -, a simples oitiva do servidor”. [1] Entretanto, como se percebe da própria redação do julgado, a obrigatoriedade da presença do advogado só se faz necessária quando da sindicância houver possibilidade de punição dentro dos limites legais previstos para a mesma (advertência e suspensão por até 30 dias). Quando, por exemplo, ela for compreendida como mero procedimento de investigação preliminar, isto é, for a prévia de faltas puníveis somente por meio de PAD, tornam-se prescindíveis, aqui, a ampla defesa e o contraditório. No mesmo parâmetro dispõe o STJ: “Na sindicância não se exige a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa quando, configurando mera fase inquisitorial, precede ao processo administrativo disciplinar”.[2] Resume-se, então, que a melhor interpretação dada à Súmula 343 é a de que a obrigatoriedade da presença de advogado deve ser (via de regra) estendida à sindicância, interpretando-se a expressão “processo administrativo disciplinar” em seu sentido amplo, a fim de englobar tanto a sindicância como o PAD.

INCOMPATIBILIDADES ENTRE A SÚMULA 343 E A LEI 8.112/90

O art. 151 da Lei 8.112/90 dispõe sobre as fases do PAD. São elas: instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão; inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório; e julgamento. Com o entendimento que se obtém da redação da Súmula, deve-se obedecer ao princípio da ampla defesa em todas as fases do procedimento. Cabe ressaltar, no entanto, que a sindicância é, por natureza (como já explicado), menos formal que o processo disciplinar propriamente dito, tanto é que a Lei sequer enumera suas fases. É forçoso concluir que a exigência de acompanhamento de servidor por advogado só existe depois da instauração. Apesar de ela ser uma fase do PAD, é impossível estipular como requisito de validade desse ato a presença de advogado constituído ou de defensor dativo. A instauração é a primeira fase do processo, é a que lhe dá início, consiste na publicação do ato que constitui a comissão. Então, a partir dela (e não nela) que se deve exigir a defesa técnica, a ser exercida por advogado ou defensor dativo. É conveniente mencionar que a Lei 8.112/90, além dos procedimentos ordinários (a sindicância e o PAD), prevê dois procedimentos sumários: um para apuração de abandono de cargo e inassiduidade habitual (art. 140); outro para averiguação de acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções (art.133). Nada há de controverso em relação ao processo de que trata o artigo 140, entende-se que também nele a exigência da presença de advogado é fixada a partir da publicação da portaria de instauração. Já no procedimento de apuração de acumulação ilegal de cargos, o processo se inicia com a instauração, mas existe uma fase prévia, ou seja, a notificação para que o servidor opte, em dez dias, por um dos cargos, empregos ou funções. Apenas se, neste período, o servidor não se manifestar é que se dará início à instauração do processo. Entende-se, portanto, que não se faz necessária a presença de advogado nessa fase de notificação, uma vez que a opção por um dos cargos não é um ato de defesa, mas uma simples faculdade que cabe ao servidor. A redação da Súmula, apesar das considerações, é bem clara: “é obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar”. Mas, como já foi dito, deve ser entendida a exigência de advogado a partir da instauração do processo. A fase de instrução compõe-se de indiciação, defesa e relatório. Na indiciação que se produzem as provas de acusação, até para que o servidor possa contraditá-las na fase seguinte, a de defesa. Entretanto a Lei dispõe em seu art. 164, §2º, que deverá ser nomeado defensor quando o indiciado for revel. E isso significa que, como a não apresentação da defesa só pode ser verificada após a indiciação, a produção das provas acusatórias foi feita sem a presença de defensor constituído ou dativo, o que é incompatível com a Nova Súmula. Há duas possibilidades de compatibilização: a) se, após a instauração do processo, a autoridade que o instaurou nomear defensor para o servidor que não o fizer; b) se, caso o servidor não apresente defesa, a declaração de revelia deste implique em uma repetição das provas colhidas na fase anterior à defesa, só que agora com a presença do defensor. Ocorre que esta última possibilidade feriria gravemente os princípios da eficiência, da celeridade processual e da razoabilidade. Sendo forçoso considerar que a Súmula 343 tornou letra morta o art. 164, §2º, da Lei 8.112/90, que faz exigência de defensor dativo apenas na fase de revelia. Dessa maneira, se a Administração quiser cumprir o que determina o enunciado do STJ, ela terá que designar defensor dativo antes mesmo de ofertar ao servidor a oportunidade de defesa.

ALGUMAS CONSEQÜÊNCIAS ADVINDAS DA NOVA SÚMULA

A Jurisprudência na qual se baseou a Terceira Seção do STJ para editar a Súmula 343 exigiu sempre a presença de advogado ou defensor dativo. Por exemplo, o MS 12.262/DF que diz: “A Terceira Seção desta Corte, no julgamento do MS 10.837/DF, relatora p/ acórdão Ministra Laurita Vaz, ratificou o entendimento de que, não obstante a falta de expressa determinação no texto da Lei 8.112/90, é indispensável a presença de advogado ou defensor dativo na fase instrutória do processo administrativo disciplinar.”[3] Como se percebe da redação acima transcrita, a presença de advogado não era considerada imprescindível, pois também se considerava legítima a defesa exercida por defensor dativo – que, segundo a lei e a própria jurisprudência, não precisa professar a advocacia. É suficiente que ele seja servidor efetivo ocupante de cargo de nível igual ou superior ao do acusado ou com nível de escolaridade igual ou superior (art. 164, § 2º da Lei 8.112/90). Assim, resta evidenciado outro defeito da Súmula, que diz mais do que queria dizer: a presença do advogado não é obrigatória, não é imprescindível, uma vez que a defesa pode ser levada a cabo por defensor dativo. Mais clara e conveniente seria a Súmula se a redação fosse: “é obrigatória a presença de advogado ou defensor dativo em todas as fases do processo administrativo disciplinar”. Além do fato já dito pode-se considerar também que a ausência de defesa técnica no processo administrativo é causa de nulidade, nos termos do art. 169, mas uma nulidade relativa, necessitando de demonstração do efetivo prejuízo sofrido pela defesa para só então justificar a anulação de processo. Caso contrário, serão considerados os atos praticados irregularmente, nos termos do art. 55 da Lei do Processo Administrativo Disciplinar (Lei 9.874/99).

DA INCONVENIÊNCIA DA SÚMULA: CONCLUSÃO

Não se discute, por óbvio, a necessidade de oportunizar ao acusado em processo administrativo o contraditório e a ampla defesa, requisitos da própria legitimidade da punição eventualmente aplicada. Porém, há que se atentar que a ampla defesa não precisa ser exercida apenas por advogado. A Constituição Federal em seu art. 133, fala que o advogado é indispensável á administração da justiça, mas isso não pode ser interpretado como sendo uma determinação de presença obrigatória dele ou de defensor dativo em todo e qualquer processo, judicial ou administrativo, mas tão somente naqueles em que a lei exigir, ou seja, “nos limites da lei”. Se não fosse assim, nos juizados especiais cíveis seria exigida a presença de advogado como pressuposto da ampla defesa, o que não ocorre. Ademais, não há no processo administrativo elementos que demandem um conhecimento jurídico mais aprofundado que justifique a indispensabilidade de advogado em seu procedimento. Além disso, é facultado ao servidor, se assim desejar, constituir causídico para melhor exercer a defesa. Daí a pôr advogado como interveniente necessário do processo disciplinar é pretensão exagerada por parte da Súmula. A própria Lei confirma esse entendimento de modo a estabelecer, em art. 156, ‘caput ‘, que é assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo, pessoalmente ou por intermédio de procurador. Considera-se, por fim, a inconveniência da Súmula 343 do STJ. Além do que não se pode legitimar uma discricionariedade judicial, ou a imposição pelo judiciário de obrigações que extrapolam as estabelecidas em Lei.

NOTAS

[1] STJ, Quinta Turma, RMS 14.310/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ de 25.09.2006.
[2] Idem, ibidem.
[3] STJ, Terceira Seção, MS 12.262/DF, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 06.08.2007.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

OLESKOVICZ, José. Processo administrativo disciplinar: presença facultativa de advogado e obrigatória de servidor defensor dativo apenas na hipótese de revelia na fase de defesa. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1346, 9 mar. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9578
CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Presença obrigatória de advogado no processo administrativo disciplinar: breves anotações à Súmula nº 343 do STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1541, 20 set. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10433>.