sexta-feira, 30 de novembro de 2007

A eficiência como princípio explícito na Constituição

Paulo Tavares Matias de Andrade
Graduando do Curso de Direito da UNEB, Campus III, Juazeiro-BA.

1 – Intróito

A dúvida sobre a posição ideal do Estado perante a sociedade sempre perdurou, havendo, por esse motivo, transformações durante toda sua existência. O cidadão, exausto de serviços públicos ineficientes, não cansa de clamar por seus interesses e direitos, surgindo um modelo de Estado que tenta unir a idéia de bem comum e interesse público. Diante das últimas reformas ocorridas na década anterior, ele passa a ser considerado um Estado Social e Democrático de Direito, deixando de lado aspirações de implementação de sua própria estrutura e visando como principal motivo de ser o administrado, como um cliente, pois este é que deve realmente ser satisfeito.
Dentro desse contexto reformador, a Emenda Constitucional nº19/1998 reflete a ânsia do cidadão e abre um leque de possibilidades de controle da Administração, além de alterar o texto constitucional, pondo de forma expressa a eficiência como princípio norteador da Administração Pública, na cabeça de seu artigo 37. Tal princípio já não era novidade, pois antes dessa emenda havia casos em que a Lei Maior tratava da eficiência em determinados atos. Entretanto, para alguns estudiosos do direito administrativo, tal explicitação trazia inovações a ponto de modificar o modo como a Administração Pública era vista.
Ao encontro desta polêmica de idéias ímpares, cabe à seguinte explanação delinear as conseqüências da explicitação do princípio da eficiência no texto constitucional, pondo em pauta o debate sobre a redundância e o seu real valor quanto princípio constitucional.

2 – Conteúdo

2.1 – Natureza Jurídica

De certo, a eficiência aqui tratada tem caráter público, pois se trata de objetivar o bem comum, aliando os demais princípios constitucionais, diferentemente da eficiência almejada pela iniciativa privada, a qual enseja o lucro particular.
Em busca de sua natureza jurídica, lembra o ilustre administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, em consonância com o Direito Italiano, que a eficiência faz parte do amplo princípio da boa administração, além de afirmar piamente que “é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que buliram no texto”¹.
Em parecer similar, Lúcia Valle Figueiredo e Maurício Antônio Ribeiro Lopes adotam a idéia de que a introdução do princípio da eficiência no texto constitucional não possui qualquer critério e não passa de mera redundância, pois sempre coube à Administração Pública respeitar a eficiência administrativa.
Há de se concordar parcialmente com os ditos autores, pois é notório que a eficiência já era reconhecida, utilizada e considerada, especialmente através da hermenêutica, como princípio implícito antes da Emenda nº19/1998. Entretanto não incorre em erro explicitá-lo, já que é considerado princípio instrumental da Administração Pública pela doutrina moderna. Possui o mesmo valor hermenêutico dos demais princípios administrativos, devendo ser interpretado de forma integrada com os demais, nunca isoladamente.
Diante desse exposto, pode-se concluir que não deve existir um ato administrativo eficiente e ilegal, ou ineficiente e impessoal. Os princípios da cabeça do artigo 37 da CF devem ser vistos como um sistema interligado. Há de ressaltar ainda que os princípios não são auto-suficientes entre si, mas o são perante as regras. Assim, reforça-se a idéia de eficiência como princípio, já que possui poder direcionador para com as regras.

2.2 – Conceituação

Importante se faz o conhecimento de seu conceito para melhor compreender a real abrangência desse princípio aos casos concretos, em sua interpretação e aplicação, para não se deixar manipular por ideologias falsamente jurídicas. Primeiramente, deve-se considerar irrelevante a tentativa de desvendar a vontade do legislador ao acrescentar o dito princípio ao texto, como alguns “modernos estudiosos do Direito” não cansam de errar. Assim como não aceitar puramente a “mens legis”, enganando-se da mesma maneira que os franceses da Escola de Exegese.
Em clara utilização de hermenêutica, o constitucionalista Alexandre de Moraes define o princípio da eficiência do seguinte modo:
"(...) é aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social"².
De grande importância foi tal conceituação feita pelo citado professor, por ser pioneira, entretanto fica sujeita a falsos juízos, pois confunde o princípio da eficiência com outros princípios. Quando fala: de imparcialidade, atinge o princípio da impessoalidade; de neutralidade, incide o principio da igualdade; de transparência, lembra o principio da publicidade. Além de utilizar incorretamente o termo “burocracia”, no sentido de excessiva formalidade³. Como ensina o magistério de Maria Lúcia Miranda Alvares, citando Weber: “a burocracia é definida como a ‘estrutura administrativa, de que se serve o tipo mais puro do domínio legal’"4. Quanto ao termo “eficaz” há de se fazer ponderação também, pois a eficiência está ligada aos meios, enquanto a eficácia aos resultados, havendo, desse modo, diferença entre os ditos conceitos.
Segundo a sapiência do professor Diogenes Gasparini “o princípio da eficiência impõe à Administração Pública direta e indireta a obrigação de realizar suas atribuições com rapidez, perfeição e rendimento, além, por certo, de observar outras regras, a exemplo do princípio da legalidade” 5. Com propriedade neste conceito, ficam clareadas as características relevantes do princípio da eficiência: economicidade e legitimidade.
Evidencia-se a economicidade no equilíbrio entre qualidade e rapidez, lembrando que nem todo meio mais barato adotado é o mais eficiente. E a legitimidade através do ensinamento de José dos Santos Carvalho Filho6, explanando que a eficiência não depende apenas dos fatores que qualificam a atividade pública, mas também da qualificação compatível dos servidores com o seu cargo.

3 – Conseqüências jurídicas

Clareada a qualidade de princípio constitucional e traçado seu conceito através da doutrina mais respeitada, resta expor as conseqüências jurídicas mais relevantes da explicitação da eficiência no texto da Carta Maior.
Como já comentado, o Estado brasileiro passou por uma reforma drástica nos anos 1990, na intenção de dirimir o formalismo excessivo e inútil e o descaso de uma administração imoral. Tal transformação foi denominada “Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado”, aprovada no governo Fernando Henrique Cardoso.
Em análise do caso, Di Pietro declara que o Plano Diretor “flexibiliza os procedimentos e a alteração quanto à forma de controle, que deixa de ser formal e passar a ser de resultados”.
“O objetivo expresso é o de aumentar a eficiência e a qualidade dos serviços, atendendo melhor o cidadão-cliente a um custo menor.”7
Coerentemente a supracitada administrativista fixa como pretensão o respeito ao princípio da eficiência, visando finalidades sociais:
a – a flexibilidade de procedimentos, a qual propõe continuidade às privatizações, reorganização e fortalecimento de órgãos de regulação dos monopólios naturais privatizados, implantação de contrato de gestão com as empresas que não podem ser privatizadas e fim da estabilidade para servidores acomodados. Deve-se ressalva neste tópico, pois atos flexíveis ao ponto de exorbitarem outros princípios constitucionais – como legalidade e moralidade – não podem ser justificados pelo dever de eficiência. Como já dito, os princípios devem ser vistos como um sistema interligado, mesmo com suas particularidades, um não pode subjugar outro; e
b – mudanças na forma de controle, incidindo em debate o limite do controle do ato discricionário pelo poder judiciário. Nesta questão, faz-se imprescindível destacar o princípio da separação dos poderes, o qual põe barreiras à intervenção do judiciário perante atos do executivo. Entretanto sobressai o principio da eficiência quanto à indenização por prejuízo de ações administrativas.
Conseqüentemente, aspectos do próprio mérito das decisões administrativas passam a adentrar em área pouco explorada pelo controle externo, o que tem permitido ao judiciário nacional, sempre em nome do princípio da legalidade, questionar, em muitos casos, a própria legitimidade das decisões administrativas.

4 – Conclusão

Destarte, resta esclarecido que a eficiência possui valor de princípio constitucional norteador da Administração Pública, seja por suas atribuições específicas, seja por sua sistematização conjugada com os demais princípios através da hermenêutica, coadunando conseqüências de relevância jurídica.
Diz-se que nunca houve autorização constitucional para uma administração pública ineficiente, entretanto ainda se vê administradores imorais burlando o sistema legal brasileiro e, impressionantemente, cobertos de impunidade. A eficiência é uma exigência dos novos tempos e o impacto que causa ao ser expressa no texto constitucional reflete alterações na forma com que o Estado Social trata o administrado.
Cabe, por via da hermenêutica, engajar o princípio da eficiência com os demais princípios, como o da proporcionalidade, para que a reforma não tome ares de radicalismo e desalinhe o bem comum do interesse público, reforçando a indesejável classe dominante.

Notas

1 – MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. ed. 12, São Paulo : Malheiros, 1999, p. 92;
2 – MORAES, Alexandre de. Reforma Administrativa: Emenda Constitucional nº 19/98. 3. ed., São Paulo : Atlas, 1999, p. 30;
3 – Tal crítica é corriqueira na doutrina moderna. De igual entendimento: VETTORATO, Gustavo. O conceito jurídico do princípio da eficiência da Administração Pública. Diferenças com os princípios do bom administrador, razoabilidade e moralidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 176, 29 dez. 2003. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4369;
4 – ALVARES, Maria Lúcia Miranda. A eficiência como fundamento da reforma do aparelho de Estado . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 232, 25 fev. 2004. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4887;
5 – Gasparini, Diogenes. Direito Administrativo 8ª Ed., São Paulo: Saraiva: 2003, pág. 20. De mesmo entendimento: Meirelles, HELY LOPES. Direito Administrativo Brasileiro, 20ª ed., São Paulo, Malheiros, 1995, p.90;
6 – Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 16ª Ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 54;
7 – Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 4ª Ed., São Paulo: Atlas, 2002.

Bibliografia

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. ed. 12, São Paulo : Malheiros, 1999;
MORAES, Alexandre de. Reforma Administrativa: Emenda Constitucional nº 19/98. 3. ed., São Paulo : Atlas, 1999;
Gasparini, Diogenes. Direito Administrativo 8ª Ed., São Paulo: Saraiva: 2003;
Meirelles, HELY LOPES. Direito Administrativo Brasileiro, 20ª ed., São Paulo, Malheiros, 1995;
Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 16ª Ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006;
Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 4ª Ed., São Paulo: Atlas, 2002.